junho 12, 2009


Pequena entrevista ao Professor Jaime Pinho, coordenador do projecto que esteve na origem do livro "QUANDO A TRÓIA ERA DO POVO"
Num livro sobre memórias de uma época, o título escolhido é uma ferroada no futuro escolhido para Tróia. Certo?
Pergunta difícil! O título pretende ser a ponte entre o conteúdo e o leitor. Quando as pessoas viram o livro, a capa, e o começaram a folhear, parece que emergiu nelas um misto de prazer, nostalgia e uma certa revolta perante a mudança brutal que ocorre neste momento em Tróia. Aquele espaço foi (está ) a ser destruído!
Mas atenção!
Há correntes dentro desta ciência humana e social (História) que alertam para a necessidade de resistir à tentação de a encarar como um instrumento manipulável para confrontar ou interpretar os problemas do presente. Estou consciente deste perigo. Por outro lado, quem trabalha neste campo deve assumir que elaborar uma reconstituição histórica de uma forma asséptica, de luvas e fato, para se proteger contra eventuais contaminações”, não passa de uma fraude. Por isso, a objectividade e o rigor nas ciências sociais são sempre relativos. Mas o que me importa é garantir que a pesquisa não cede perante quaisquer preconceitos e que os métodos e instrumentos de investigação assentam na pluralidade de fontes e na valorização do contraditório. Numa palavra, as pessoas que trabalham em história devem fazer tudo para evitar o sectarismo.

Como é que foi escolhido o título do livro?
O título foi escolhido através de uma votação feita em três das quatro turmas. O timing de que se dispunha não deu tempo para auscultar a quarta. Procedeu-se a uma “primeira volta”, passando à segunda os títulos mais votados. Tornou-se claro que o título que ficou era o mais desejado por uma maioria relativa mas claramente destacada.

Os alunos tiveram consciência de um título com opinião implícita?
Agora, liberto do stress daqueles dias em que trabalhámos a uma velocidade bastante grande, parece-me que sim. Fico contente por pensar que a sua escolha talvez contenha uma crítica, mais do que justa, aliás. Mas só cada um e cada uma das pessoas que votaram neste título poderia responder com segurança.

Sendo o turismo uma crescente fonte de rendimentos, num país cujo aparelho produtivo foi extinto, não devemos estar satisfeitos pelo empreendimento em curso na Tróia? Mais emprego para a região...
A questão tem a ver com os valores impostos e matraqueados até à náusea. Trata-se de compreender que a ideologia do lucro imediato é incompatível com a preservação da natureza, a começar pelos ecossistemas mais sensíveis. Os valores ambientais são uma herança de há milhares e milhões de anos. O seu valor é a sua singularidade. Os promotores imobiliários estão a matar a “galinha dos ovos de ouro”, como já fizeram no Algarve. São inimigos do turismo ambiental e cultural, são insensíveis ao turismo sustentado. Destroem em semanas e meses o que demorou milhares de anos a formar-se. Não sabem o que é a importância da biodiversidade. Querem enriquecer arrasando as dunas, agravando o perigo de extinção dos roazes do Sado, aniquilando espécies de flora raras e protegidas, acelerando a erosão costeira. E impedindo o livre acesso das pessoas às praias que sempre foram do povo.
Os alunos fizeram alguma reflexão sobre a realidade abordada, sobre as diferenças que constatam para a actualidade? Qual a opinião dos alunos sobre a Tróia que está a ser construída?
Não houve tempo para reflectir, na sala de aulas, sobre o assunto. Houve a necessidade de os transportar para as décadas de 1950/60/70, e não houve tempo, nem fazia parte do nosso trabalho, discutia as alterações ocorridas no presente.
Estes trabalhos editados constituem iniciativas bastante louváveis. Sendo raras as ligações entre as escolas e as comunidades circundantes, estes projectos revelam-se muito importantes nessa vertente. Têm tido "feed-back" do exterior, de pessoas não ligadas, de algum modo, à concepção do livro?
Concerteza. Os relatos dos alunos sobre o que aconteceu quando chegaram a casa e mostraram o livro às pessoas que tinham entrevistado são categóricos nesse sentido. Os tipógrafos e as operárias da encadernação foram das primeiras e primeiros a dizerem-nos que este livro iria atingir em cheio as pessoas da cidade. Para não falar das pessoas que o estão a vender: alunos e alunas, livreiros. E, naturalmente, as centenas de pessoas que entusiasmadas o vão comprar.
Também eu, coordenador com mais seis colegas, amigos e amigas, tenho recebido todo o tipo de mensagens de congratulação por esta obra colectiva.
A minha convicção profunda é de que as escolas secundárias são, numa cidade como a nossa, os espaços que concentram mais energia e recursos humanos diversificados e de qualidade para estudar o meio em que se inserem.
Já há alguma ideia para um novo projecto?
Colegas e amigos vão-nos dando generosamente novas pistas e “sementes”. Mas um trabalho destes exige três anos “debaixo da terra” para poder nascer. É certo que existe uma técnica testada, prática e produtiva. A “matéria prima” são os estudantes do 9º ano e os seus parentes mais velhos. É bem possível ir resgatando mais memórias ameaçadas de extinção.

3 comentários:

Bits 'n Pieces disse...

Excelente entrevista, pela acuidade das perguntas e qualidade das respostas. A D. João II está de parabéns por ter partilhado com todos nós os resultados deste trabalho de projecto, dando a conhecer a ponta do icebergue do que de muito bom se produz nas escolas.

Bits 'n Pieces disse...

Também gosto muito da fotgrafia que acompanha a entrevista. A luz da parede do fundo a iluminar os cambiantes de sombra de que o olhar se vai libertando... Devolvendo a pergunta ao entrevistador, tem consciência da forma como esta imagem funciona a nível metatextual?

AP disse...

Não!
:)
Aliás a fotografia passou a acompanhar o texto após o comentário que fizeste, numa perspectiva de (in)consciência à posteriori...