novembro 18, 2016

O ensino da lógica matemática

Nota nº 1 sobre a discussão da proposta de programas de Matemática A (Jaime Carvalho e Silva)

O ensino da lógica matemática

A proposta de programa de Matemática A para o Ensino Secundário agora em discussão revela-se totalmente desajustada em muitos aspetos, tanto por repetir fórmulas que já falharam por cá, como por ignorar a experiência de outros países nesta área, sobretudo os países bem colocados nos estudos internacionais.

Um dos temas onde isso é mais patente é a lógica matemática que é apresentada logo no início do 10º ano como uma introdução ao Ensino Secundário de Matemática. Ao contrário do que afirmam os autores da proposta, esta lógica matemática não é estudada num 10º ano de escolaridade em nenhum país do mundo onde o ensino da matemática tenha atingido um nível elevado.

Ouvi falar em "países de referência", mas não sei a que países se possam estar a referir.
Serão os países referidos na bibliografia da proposta de programa?

Os países referenciados no documento agora em discussão são os seguintes: França, Bélgica (francófona), Itália, Reino Unido e EUA. Se assim é, no que diz respeito à lógica matemática, os documentos do Itália e EUA não lhe fazem qualquer referência.

No que diz respeito à França, berço do estruturalismo bourbakista, os atuais programas do 10º ano ("seconde") determinam o seguinte sobre a lógica matemática [1]:

"Les concepts et méthodes relevant de la logique mathématique ne doivent pas faire l’objet
de cours spécifiques mais doivent prendre naturellement leur place dans tous les chapitres du programme"

Ou seja, não deve haver aulas de lógica matemática. Mais adiante detalham-se quais os elementos de lógica a trabalhar e reforça-se:

"Notations et raisonnement mathématiques (objectifs pour le lycée)
Cette rubrique, consacrée à l’apprentissage des notations mathématiques et à la logique, ne doit pas faire l’objet de séances de cours spécifiques mais doit être répartie sur toute l’année scolaire."

Ou seja, o que determinam claramente os programas franceses atuais é que a lógica matemática é um tema transversal do programa e deve ir sendo introduzida à medida que for sendo necessária, não devendo ser um tema de estudo em si. Isto é exatamente o que tem o atual programa de Matemática A em Portugal (datado de 2003).

Nos programas belgas aparece [2], integrado no capítulo de Geometria e Trigonometria, uma seção denominada "Demonstrar" com a seguinte indicação de conteúdos:

"Maitriser quelques démarches logiques qui régissent les démonstrations :
- donner la négation, une réciproque d’un énoncé,
- établir un raisonnement par l’absurde (contraposition), par disjonction des cas,
- distinguer méthodes inductives et raisonnement déductif."

Ou seja, mais uma vez alguns aspetos da lógica matemática não são trabalhados por si próprios mas são parte integrante no trabalho com a Geometria.

No caso do Reino Unido [3] não há nenhum capítulo que refira a lógica Matemática. Contudo, no 'Key Stage 4' (10º e 11º anos), aparece, integrado no capítulo de Geometria, uma seção chamada "Reasoning", com o seguinte desenvolvimento:

"- apply mathematical reasoning, progressing from brief mathematical explanations towards full justifications in more complex contexts
- explore connections in geometry; pose conditional constraints of the type ‘If … then …’; and ask questions ‘What if …?’ or ‘Why?’
- show step-by-step deduction in solving a geometrical problem
- state constraints and give starting points when making deductions
- understand the necessary and sufficient conditions under which generalisations, inferences and solutions to geometrical problems remain valid."

Mais uma vez observamos que alguns aspetos da lógica matemática são claramente integrados no trabalho com a Geometria.

Existe [4] um curriculo de Matemática para o ensino secundário elaborado em Itália em 2003 por uma equipa da 'Unione Matematica Italiana' (UMI), chefiada por Ferdinando Arzarello,  o atual presidente do ICMI-Comissão Internacional para a Instrução Matemática, que especifica quais os elementos de lógica matemática que devem ser trabalhados no Ensino Secundário. Mas desaconselha que se deva "Trattare la logica come un capitolo separato." Em vez disso aconselha que: "Trovare invece collegamenti con nozioni di logica in diversi momenti e in vari ambiti; sarà anche utile qualche approfondimento specifico per riordinare e organizzare quanto visto."

Em conclusão, no que diz respeito à lógica matemática, nenhum dos países referidos a trata como tema separado, quando muito indica elementos a ser tratados em capítulos concretos ou a ser tratado à medida que vai sendo trabalhada a matemática.
Concluindo: não há nenhuma base científica ou evidência experimental para as opções tomadas na atual proposta de programa de Matemática A. É inaceitável a manutenção dessas opções na versão final do programa de Matemática A!


Referencias:
[1]. Mathématiques, classe de seconde, Bulletin Officiel, n.º 30, Ministère de L’Éducation Nationale, 2009.
[2] Compétences Terminales et savoirs requis en Mathématiques, Humanités générales et
technologiques, Ministère de la Communauté Française, Bélgica, 1999.
[3] Mathematics – The National Curriculum for England, Department for Education and Employment, London, 1999.
[4] Il curricolo di matematica Ciclo Secondario (primo e secondo biennio) “Matematica 2003”, UMI, 2003.
[5]. Common Core State Standards for Mathematics, Common Core State Standards Initiative, Preparing America’s students for college & Career, 2011.
[6] Curricula Liceo Scientifico – Indicazioni, Ministero dell’Instuzione, dell’Università e della Ricerca, Itália, 2010.
(http://www.indire.it/lucabas/lkmw_file/licei2010///indicazioni_nuovo_impaginato/_Liceo%20scientifico.pdf)



ANEXO 1

A proposta de programa de Matemática A inclui a seguinte lista de tópicos sobre lógica matemática no início do programa do 10º ano de escolaridade:


Introdução à Lógica bivalente e à Teoria dos conjuntos

Proposições
- Valor lógico de uma proposição; Princípio do terceiro excluído e Princípio de não contradição;
- Operações sobre proposições: negação, conjunção, disjunção, implicação e
equivalência;
- Prioridades das operações lógicas;
- Relações lógicas entre as diferentes operações; propriedade da dupla negação; princípio da dupla implicação;
- Reflexividade e transitividade da implicação e da equivalência; simetria da equivalência;
- Propriedades comutativa, associativa, de existência de elemento neutro e de elemento absorvente e da idempotência da disjunção e da conjunção e propriedades distributivas da conjunção em relação à disjunção e da disjunção em relação à conjunção;
- Leis de De Morgan;
- Implicação contra-recíproca;
- Resolução de problemas envolvendo operações lógicas sobre proposições.

Condições e Conjuntos
- Expressão proposicional ou condição; quantificador universal, quantificador existencial
e segundas Leis de De Morgan;
- Conjunto definido por uma condição; Igualdade entre conjuntos; conjuntos definidos
em extensão;
- União (ou reunião), interseção e diferença de conjuntos e conjunto complementar;
- Inclusão de conjuntos;
- Relação entre operações lógicas sobre condições e operações sobre os conjuntos que
definem;
- Princípio de dupla inclusão e demonstração de equivalências por dupla implicação;
- Propriedades comutativa, associativa, de existência de elemento neutro e elemento
absorvente e da idempotência da união e da interseção e propriedades distributivas da
união em relação à interseção e da interseção em relação à união;
- Negação de uma implicação universal e contra-exemplos; demonstração por contra--recíproco;
- Resolução de problemas envolvendo operações sobre condições e sobre conjuntos.


A esta listagem de conteúdos estão associados 53 descritores, cuja extensão e simbologia não permite que sejam aqui reproduzidos. Os dois últimos são:


3. Resolver problemas
 1. +Resolver problemas envolvendo operações lógicas sobre proposições.
 2. +Resolver problemas envolvendo operações sobre condições e sobre conjuntos.


Ou seja, no caso da proposta de programa de Matemática A, existe o objetivo declarado de a lógica matemática ser tratada inicialmente no 10º ano como um tema independente.


ANEXO 2

Para que se tenha uma ideia do âmbito e profundidade das noções de lógica matemática exigidas nos programas em França, estão aqui listadas as referidas nos atuais programas franceses do 10º ano [1]:


Notations et raisonnement mathématiques (objectifs pour le lycée)

Cette rubrique, consacrée à l’apprentissage des notations mathématiques et à la logique, ne doit pas faire l’objet de séances de cours spécifiques mais doit être répartie sur toute l’année scolaire.

Notations mathématiques
Les élèves doivent connaître les notions d’élément d’un ensemble, de sous-ensemble, d’appartenance et d’inclusion, de réunion, d’intersection et de complémentaire et savoir utiliser les symboles de base correspondant (...) ainsi que la notation des ensembles de nombres et des intervalles.
Pour le complémentaire d’un ensemble A, on utilise la notation des probabilités A.

Pour ce qui concerne le raisonnement logique, les élèves sont entraînés, sur des exemples:
-_ à utiliser correctement les connecteurs logiques « et », « ou » et à distinguer leur sens des sens courants de « et », « ou » dans le langage usuel ;
-_ à utiliser à bon escient les quantificateurs universel, existentiel (les symboles V, E ne sont pas exigibles) et à repérer les quantifications implicites dans certaines propositions et, particulièrement, dans les propositions conditionnelles ;
-_ à distinguer, dans le cas d’une proposition conditionnelle, la proposition directe, sa réciproque, sa contraposée et sa négation ;
-_ à utiliser à bon escient les expressions « condition nécessaire », « condition suffisante » ;
-_ à formuler la négation d’une proposition ;
-_ à utiliser un contre-exemple pour infirmer une proposition universelle ;

-_ à reconnaître et à utiliser des types de raisonnement spécifiques : raisonnement par disjonction des cas, recours à la contraposée, raisonnement par l’absurde.

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