Nota
nº 1 sobre a discussão da proposta de programas de Matemática A (Jaime Carvalho e Silva)
O
ensino da lógica matemática
A
proposta de programa de Matemática A para o Ensino Secundário agora em
discussão revela-se totalmente desajustada em muitos aspetos, tanto por repetir
fórmulas que já falharam por cá, como por ignorar a experiência de outros
países nesta área, sobretudo os países bem colocados nos estudos
internacionais.
Um
dos temas onde isso é mais patente é a lógica matemática que é apresentada logo
no início do 10º ano como uma introdução ao Ensino Secundário de Matemática. Ao
contrário do que afirmam os autores da proposta, esta lógica matemática não é
estudada num 10º ano de escolaridade em nenhum país do mundo onde o ensino da
matemática tenha atingido um nível elevado.
Ouvi
falar em "países de referência", mas não sei a que países se possam
estar a referir.
Serão
os países referidos na bibliografia da proposta de programa?
Os
países referenciados no documento agora em discussão são os seguintes: França,
Bélgica (francófona), Itália, Reino Unido e EUA. Se assim é, no que diz
respeito à lógica matemática, os documentos do Itália e EUA não lhe fazem
qualquer referência.
No
que diz respeito à França, berço do estruturalismo bourbakista, os atuais
programas do 10º ano ("seconde") determinam o seguinte sobre a lógica
matemática [1]:
"Les concepts et méthodes
relevant de la logique mathématique ne doivent pas faire l’objet
de cours spécifiques mais
doivent prendre naturellement leur place dans tous les chapitres du programme"
Ou
seja, não deve haver aulas de lógica matemática. Mais adiante detalham-se quais
os elementos de lógica a trabalhar e reforça-se:
"Notations et raisonnement
mathématiques (objectifs pour le lycée)
Cette rubrique, consacrée à
l’apprentissage des notations mathématiques et à la logique, ne doit pas faire
l’objet de séances de cours spécifiques mais doit être répartie sur toute
l’année scolaire."
Ou
seja, o que determinam claramente os programas franceses atuais é que a lógica
matemática é um tema transversal do programa e deve ir sendo introduzida à
medida que for sendo necessária, não devendo ser um tema de estudo em si. Isto
é exatamente o que tem o atual programa de Matemática A em Portugal (datado de
2003).
Nos
programas belgas aparece [2], integrado no capítulo de Geometria e
Trigonometria, uma seção denominada "Demonstrar" com a seguinte
indicação de conteúdos:
"Maitriser quelques
démarches logiques qui régissent les démonstrations :
- donner la négation, une
réciproque d’un énoncé,
- établir un raisonnement par
l’absurde (contraposition), par disjonction des cas,
- distinguer méthodes inductives
et raisonnement déductif."
Ou
seja, mais uma vez alguns aspetos da lógica matemática não são trabalhados por
si próprios mas são parte integrante no trabalho com a Geometria.
No
caso do Reino Unido [3] não há nenhum capítulo que refira a lógica Matemática.
Contudo, no 'Key Stage 4' (10º e 11º anos), aparece, integrado no capítulo de
Geometria, uma seção chamada "Reasoning", com o seguinte desenvolvimento:
"-
apply mathematical reasoning, progressing from brief mathematical explanations
towards full justifications in more complex contexts
- explore
connections in geometry; pose conditional constraints of the type ‘If … then
…’; and ask questions ‘What if …?’ or ‘Why?’
- show
step-by-step deduction in solving a geometrical problem
- state
constraints and give starting points when making deductions
-
understand the necessary and sufficient conditions under which generalisations,
inferences and solutions to geometrical problems remain valid."
Mais
uma vez observamos que alguns aspetos da lógica matemática são claramente
integrados no trabalho com a Geometria.
Existe
[4] um curriculo de Matemática para o ensino secundário elaborado em Itália em
2003 por uma equipa da 'Unione Matematica Italiana' (UMI), chefiada por
Ferdinando Arzarello, o atual presidente
do ICMI-Comissão Internacional para a Instrução Matemática, que especifica
quais os elementos de lógica matemática que devem ser trabalhados no Ensino
Secundário. Mas desaconselha que se deva "Trattare la logica come un
capitolo separato." Em vez disso aconselha que: "Trovare invece
collegamenti con nozioni di logica in diversi momenti e in vari ambiti; sarà
anche utile qualche approfondimento specifico per riordinare e organizzare
quanto visto."
Em
conclusão, no que diz respeito à lógica matemática, nenhum dos países referidos
a trata como tema separado, quando muito indica elementos a ser tratados em
capítulos concretos ou a ser tratado à medida que vai sendo trabalhada a
matemática.
Concluindo:
não há nenhuma base científica ou evidência experimental para as opções tomadas
na atual proposta de programa de Matemática A. É inaceitável a manutenção
dessas opções na versão final do programa de Matemática A!
Referencias:
[1]. Mathématiques, classe de
seconde, Bulletin Officiel, n.º 30, Ministère de L’Éducation Nationale, 2009.
[2] Compétences Terminales et
savoirs requis en Mathématiques, Humanités générales et
technologiques, Ministère de la
Communauté Française, Bélgica, 1999.
[3]
Mathematics – The National Curriculum for England, Department for Education and
Employment, London, 1999.
[4]
Il curricolo di matematica Ciclo Secondario (primo e secondo biennio)
“Matematica 2003”, UMI, 2003.
[5].
Common Core State Standards for Mathematics, Common Core State Standards
Initiative, Preparing America’s students for college & Career, 2011.
[6]
Curricula Liceo Scientifico – Indicazioni, Ministero dell’Instuzione,
dell’Università e della Ricerca, Itália, 2010.
(http://www.indire.it/lucabas/lkmw_file/licei2010///indicazioni_nuovo_impaginato/_Liceo%20scientifico.pdf)
ANEXO
1
A
proposta de programa de Matemática A inclui a seguinte lista de tópicos sobre
lógica matemática no início do programa do 10º ano de escolaridade:
Introdução
à Lógica bivalente e à Teoria dos conjuntos
Proposições
-
Valor lógico de uma proposição; Princípio do terceiro excluído e Princípio de
não contradição;
-
Operações sobre proposições: negação, conjunção, disjunção, implicação e
equivalência;
-
Prioridades das operações lógicas;
-
Relações lógicas entre as diferentes operações; propriedade da dupla negação; princípio
da dupla implicação;
-
Reflexividade e transitividade da implicação e da equivalência; simetria da
equivalência;
-
Propriedades comutativa, associativa, de existência de elemento neutro e de
elemento absorvente
e da idempotência da disjunção e da conjunção e propriedades distributivas
da conjunção em relação à disjunção e da disjunção em relação à conjunção;
-
Leis de De Morgan;
-
Implicação contra-recíproca;
-
Resolução de problemas envolvendo operações lógicas sobre proposições.
Condições
e Conjuntos
-
Expressão proposicional ou condição; quantificador universal, quantificador
existencial
e
segundas Leis de De Morgan;
-
Conjunto definido por uma condição; Igualdade entre conjuntos; conjuntos
definidos
em
extensão;
-
União (ou reunião), interseção e diferença de conjuntos e conjunto
complementar;
-
Inclusão de conjuntos;
-
Relação entre operações lógicas sobre condições e operações sobre os conjuntos
que
definem;
-
Princípio de dupla inclusão e demonstração de equivalências por dupla
implicação;
-
Propriedades comutativa, associativa, de existência de elemento neutro e
elemento
absorvente
e da idempotência da união e da interseção e propriedades distributivas da
união
em relação à interseção e da interseção em relação à união;
-
Negação de uma implicação universal e contra-exemplos; demonstração por contra--recíproco;
-
Resolução de problemas envolvendo operações sobre condições e sobre conjuntos.
A
esta listagem de conteúdos estão associados 53 descritores, cuja extensão e
simbologia não permite que sejam aqui reproduzidos. Os dois últimos são:
3.
Resolver problemas
1. +Resolver problemas envolvendo operações
lógicas sobre proposições.
2. +Resolver problemas envolvendo operações
sobre condições e sobre conjuntos.
Ou
seja, no caso da proposta de programa de Matemática A, existe o objetivo
declarado de a lógica matemática ser tratada inicialmente no 10º ano como um
tema independente.
ANEXO
2
Para
que se tenha uma ideia do âmbito e profundidade das noções de lógica matemática
exigidas nos programas em França, estão aqui listadas as referidas nos atuais
programas franceses do 10º ano [1]:
Notations et raisonnement
mathématiques (objectifs pour le lycée)
Cette rubrique, consacrée à
l’apprentissage des notations mathématiques et à la logique, ne doit pas faire
l’objet de séances de cours spécifiques mais doit être répartie sur toute
l’année scolaire.
Notations mathématiques
Les élèves doivent connaître les
notions d’élément d’un ensemble, de sous-ensemble, d’appartenance et
d’inclusion, de réunion, d’intersection et de complémentaire et savoir utiliser
les symboles de base correspondant (...) ainsi que la notation des ensembles de
nombres et des intervalles.
Pour le complémentaire d’un
ensemble A, on utilise la notation des probabilités A.
Pour ce qui concerne le
raisonnement logique, les élèves sont entraînés, sur des exemples:
-_ à utiliser correctement les
connecteurs logiques « et », « ou » et à distinguer leur sens des sens courants
de « et », « ou » dans le langage usuel ;
-_ à utiliser à bon escient les
quantificateurs universel, existentiel (les symboles V, E ne sont pas
exigibles) et à repérer les quantifications implicites dans certaines
propositions et, particulièrement, dans les propositions conditionnelles ;
-_ à distinguer, dans le cas
d’une proposition conditionnelle, la proposition directe, sa réciproque, sa
contraposée et sa négation ;
-_ à utiliser à bon escient les
expressions « condition nécessaire », « condition suffisante » ;
-_ à formuler la négation d’une
proposition ;
-_ à utiliser un contre-exemple
pour infirmer une proposition universelle ;
-_ à reconnaître et à utiliser
des types de raisonnement spécifiques : raisonnement par disjonction des cas,
recours à la contraposée, raisonnement par l’absurde.