julho 14, 2005

“A disciplina de Matemática está novamente sob fogo cruzado…”
(título no jornal Público)

1.Os resultados nacionais do exame de Matemática constituem um bom pretexto para tomadas de posição sobre a natureza da educação matemática.
2.Invariavelmente a formação inicial e contínua de professores de Matemática acaba por aparecer no centro da problemática, como se aqui residissem todos os males da educação matemática nacional. A atribuição simplista da culpa, vinda directamente do Governo ou dos Telejornais e de certos escribas, torna-se psicologicamente conveniente para um certo apaziguamento manipulativo do desconforto social gerado pelos resultados. Naturalmente, esta atribuição, inibe ulteriores reflexões inconvenientes para o poder político. Uma vez "insinuadas" responsabilidades encerra-se o caso, numa prova de inquestionável habilidade política.
3.É impossível um combate eficaz sem pôr em causa interesses corporativos e sem um claro investimento nas escolas onde se registam mais e maiores problemas.
4.É impossível analisar uma realidade escolar sem conhecer e compreender toda a realidade social envolvente, na qual a escola se insere.
5.Dois exemplos e uma questão.
Exemplo 1: A classificação média dos seis testes de um aluno x durante o nono ano, a Matemática, foi 35%. Considere-se a dispersão irrelevante para este exemplo.
Suponhamos que x é um aluno assíduo e pontual. Não revela problemas graves de natureza disciplinar (conversa pontualmente e por vezes está distraído…). Empenha-se razoavelmente nos trabalhos (sobre História da Matemática) e actividades propostas com auxílio das novas tecnologias (Excel, GSP,…). Resolve com dificuldade os exercícios na sala de aula, mas é participativo e procura esclarecer as dúvidas que surgem. É evidente que não trabalha minimamente em casa. Serviços mínimos. Ligado nas aulas desligado fora das mesmas. A globalidade destas informações é transformada num número por meio de uma fórmula definida pelo departamento de matemática de acordo com os regulamentos pelos quais a escola se rege. Suponhamos que “sai” um 47,5%! A classificação do aluno é, merecidamente, o nível 3. O professor limitou-se a cumprir os critérios estabelecidos (independentemente de concordar com eles). É, no entanto, espectável que no exame não alcance um nível superior a dois.
Exemplo 2 - A classificação média dos seis testes de um aluno y durante o nono ano, a Matemática, foi 25%. É quarta vez que frequenta o nono ano. No Conselho de Turma vários professores foram seus directores de turma ao longo dos últimos anos, facto que confere ao referido Conselho uma capacidade de análise bastante bem sustentada. A nota do aluno é votada. Um dos professores opõe-se a subida do nível para 3, os restantes votam favoravelmente. Esta situação não contraria (nem podia contrariar!) a legislação em vigor. Com esta decisão os professores fizeram um favor ao aluno, à escola e à sociedade, numa perspectiva profundamente humanista inserida neste contexto e circunstância. Obviamente que é muitíssimo provável que o aluno não atinja, no exame, um nível superior a dois.
Questão: Estes alunos foram bem ou mal sucedidos na disciplina de Matemática?

6.Devemos ter presente que cada número, cada, nota, tem uma realidade adjacente potencialmente complexa. Uma realidade não necessariamente percepcionada pela comunidade em geral em virtude dos modelos imediatistas pelos quais se regem os jornais e televisões de espectro alargado (audiências e qualidade dos conteúdos dos noticiários/programas são um bom exemplo de grandezas inversamente proporcionais) e pela tacanhez intrínseca daqueles que não conseguem juntar duas peças de um puzzle…
7.A Srª Ministra refere que vai avaliar "se a diferença entre as notas de frequência e de exames é regular em todo o país ou específica de algumas escolas". Não refere, no entanto, a data da divulgação do estudo. É meio caminho andado para que o mesmo não chegue às escolas.
8.Outro aspecto que classifico de inadmissível prende-se com a apresentação de directrizes e medidas de fundo quando as escolas já estruturam alguns alicerces para o próximo ano lectivo. Reprovável timming de Xico Esperto!
9.Relativamente à questão de "…dar uma nova utilidade à componente não lectiva…". i) Em todas as escolas existem professores que pensam em conjunto a planificação de actividades, trocam ideias, experiências e materiais. Fazem-nos na escola, nas suas casas ou num café. Onde e como mais lhes apraz. Gostam do que fazem e procuram fazer sempre melhor. Com ética e dignidade. Não se decreta a consciência de classe. ii) Este conceito não deixa de ser pertinente e permitirá às escolas gerir com mais eficácia alguns serviços, nomeadamente ao nível dos Centros de Recursos, dos Núcleos escolares e dos Gabinetes de Intervenção Disciplinar.

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